quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A carta


"Meu caro amigo,
espero que esta carta o encontre de excelente saúde. Bem sei que não é exactamente uma carta isto que lhe escrevo agora, mas uma mensagem electrónica. Já ninguém escreve cartas. Eu sou-lhe sincero, sinto saudades do tempo em que as pessoas se correspondiam, trocando cartas, cartas autênticas, em bom papel, ao qual era possível acrescentar uma gota de perfume, ou juntar flores secas, penas coloridas, uma madeixa de cabelo. Sofro uma nostalgia miúda desse tempo em que o carteiro nos trazia as cartas a casa, e da alegria, do susto também, com que as recebíamos, com que as abríamos, com que as líamos, e do cuidado com que, ao responder, escolhíamos as palavras, medindo-lhes o peso, avaliando a luz e o lume que ia nelas, sentindo-lhes a fragância, porque sabíamos que seriam depois sopesadas, estudadas, cheiradas, saboreadas, e que algumas conseguiriam, eventualmente, escapar à voragem do tempo, para serem relidas muitas anos depois. Não suporto a grosseira informalidade das mensagens electrónicas. Enfrento sempre com horror, um horror físico, um horror metafísico e moral, aquele "Oi!" que nos foi imposto a partir do Brasil - como é possível levar a sério alguém que se nos dirige assim?..."

"O vendedor de passados" - José Eduardo Agualusa


Todos nós temos cartas que nunca escrevemos,
cartas que nunca enviámos,
cartas que nunca deitámos fora...
e mais! Cartas que nunca pensámos receber...

2 comentários:

João Filipe Ferreira disse...

adorei o blog =)

Angelo Sá disse...

Acima das cartas ou mais importante que elas são as palavras que elas trazem consigo.
Palavras essas que nos levam os sentidos.
Gostei do blog:)